Há mais ou menos 35 anos, quando a Barra da Tijuca era ainda meio desabitada, não faltavam advertências para que as moças recusassem qualquer convite para passear com o namorado por lá. Além de ficar mal-faladas, as mães temiam que fossem alvo de uma ‘curra’, nome popular na época para o estupro por mais de um homem. Principalmente depois do famoso caso “Aída Curi”, a jovem que, na luta para se livrar de seus agressores sexuais, despencou de um terraço da Av. Atlântica, em Copacabana. O tempo passou, a repressão sexual diminuiu, mas o estupro, a violência sexual mais comum, é o crime que mais aumenta nos Estados Unidos. A cada seis minutos uma mulher é estuprada e o FBI estima que, caso essa tendência prossiga, uma em cada quatro mulheres será violentada uma vez na vida.
Desde que o sistema patriarcal se instalou, há 5000 anos, e a sociedade de parceria entre homens e mulheres cedeu lugar à dominação masculina, a mulher passou a ser uma mercadoria valiosa. Rapto seguido de estupro foi o método mais usado de adquiri-la, ocorrendo na própria tribo ou na tribo vizinha. Isso era visto como tão natural, que muitos atribuem ser a origem do costume de o noivo carregar a noiva no colo e pronunciar o célebre ‘enfim sós’, quando se vêem longe de todos, após a festa de casamento. Em toda a História encontramos casos de violência sexual: da Bíblia às guerras do século XX, passando pela mitologia greco-romana, com a descrição dos 17 raptos praticados por Zeus, o deus dos deuses, e pela Idade Média. Uma das lendas mais conhecidas é a das mulheres sabinas, que durante uma festa foram raptadas e levadas para Roma para serem estupradas pelos súditos de Rômulo. Só que quando os sabinos investiram contra os romanos para recapturá-las, elas se sentaram entre os combatentes, não permitindo que seus pais e irmãos matassem seus maridos.
Atualmente a violência sexual, principalmente contra mulheres, continua em toda parte. Em alguns países islâmicos fundamentalistas como o Irã, onde uma virgem não pode ser condenada à morte por ser propriedade masculina valiosa, as jovens são rotineiramente estupradas antes de serem mortas. Isso sem falar no costume mulçumano, adotado em alguns lugares da África e do Oriente Médio, de extirpar o clitóris de todas as mulheres para impedi-las de experimentar o prazer sexual.
Sem dúvida, há muito tempo as mulheres têm sido alvo das agressões dos homens. E mesmo quando vítimas, não faltam acusações de que sua sensualidade é a responsável pelos ataques sexuais. Mas qual é o motivo de tanta violência? Para alguns autores, como o americano Jamake Highwater, a agressão de homens a mulheres se baseia em uma mentalidade que representa a desilusão da sociedade de consumo americana no final do século 20. Ela seria provocada pela sensação de inutilidade, vinda do tédio, da pobreza, da ignorância, aliada ao constante bombardeamento de mensagens de opulência, triunfos sexuais, riqueza e poder.
Os estupros são raros nas sociedades em que a relação entre os sexos tende à igualdade, as mulheres são respeitadas e desempenham importante papel nas decisões coletivas. Homens e mulheres têm as mesmas necessidades emocionais, mas o ideal masculino das sociedades patriarcais não permite aos homens satisfazer essas necessidades. Estudos mostram que os esforços exigidos dos homens para se adequar ao ideal masculino provocam angústia, dificuldades afetivas, medo do fracasso e comportamentos compensatórios potencialmente perigosos e destruidores.
As mentalidades estão mudando; muitos homens já compreenderam que a virilidade tradicional é bastante arriscada e cada vez mais aceitam que atitudes e comportamentos sempre rotulados como femininos são necessários para o desenvolvimento de seres humanos. Tanto que numa pesquisa feita por uma revista americana com 28 mil leitores sobre masculinidade, a maioria deles respondeu que queriam ser mais calorosos, mais doces, mais amantes e que desprezavam a agressividade, a competição e as conquistas sexuais. Ao que tudo indica, o fim da violência sexual está diretamente relacionado ao fim da ideologia de dominação e ao retorno da relação de parceria entre homens e mulheres.
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